Era uma vez uma mulher que vivia dentro de uma garrafa de vinagre. Uma
vez uma fada estava passando por ali e ouviu a velha falando consigo mesma:
“É uma tristeza, é uma tristeza, é uma tristeza”, a velha dizia. “Eu não
deveria viver dentro de uma garrafa de vinagre. Eu deveria morar num chalezinho
coberto de colmo, com as paredes cobertas de rosas – isso sim.”
Então a fada disse: “Muito bem, quando você for dormir esta noite, vire-se
na cama três vezes, feche os olhos, e de manhã você vai ver só uma coisa”.
Então a velha foi dormir, virou-se na cama três vezes, fechou os olhos,
e na manha seguinte lá estava ela numa bela cabaninha com telhado de colmo e
paredes cobertas com rosas. Ela ficou muito surpresa e muito contente, mas se
esqueceu completamente de agradecer a fada.
E a fada foi para o norte, foi para o sul, foi para o leste e foi para o
oeste, por causa de um negócio de que esta tratando. A certa altura ela pensou:
“Vou ver como está aquela senhora. Ela deve estar muito feliz em sua
cabaninha”.
Quando a fada chegou diante da porta da velha, ouviu-a falando consigo
mesma:
“É uma tristeza, é uma tristeza, é uma tristeza. Eu não deveria viver
sozinha numa cabana pequena como esta. Eu deveria morar numa bela casinha junto
com outras casas, com cortinas de renda nas janelas, aldrava de metal na porta, e gente vendendo mexilhões e amêijoas às portas, todos alegres e
contentes”
A fada ficou muito surpresa, mas disse: “Muito bem. Quando for dormir
esta noite, vire-se na cama três vezes, feche os olhos, e de manhã você vai ver
só uma coisa”.
Então a velha foi dormir, virou-se na cama três vezes, fechou os olhos,
e de manhã lá estava ela na sua bela casinha junto com outras casas, com
cortinas de renda nas janelas, todos alegres e contentes. Ela ficou muito surpresa,
e muito satisfeita, mas se esqueceu completamente de agradecer a fada.
E a fada foi para o norte, foi para o sul, foi para o leste e para o oeste
por causa de um negócio que estava tratando. Depois de certo tempo, ela pensou
consigo mesma: “Vou ver como está aquela senhora. Com certeza ela agora está
feliz”.
E, quando ela chegou à ruazinha, ouviu a velha falando para si mesma: “É
uma tristeza, é uma tristeza, é uma tristeza. Eu não deveria morar numa
ruazinha como esta, cercada de gente vulgar. Deveria viver numa grande mansão
no campo, com um grande jardim em toda a sua volta, e criados que atendessem ao
toque de uma campainha”.
A fada ficou muito surpresa, e
até mesmo aborrecida, mas disse: “Muito bem, vá dormir, vire-se na cama três
vezes, feche os olhos, e amanhã você vai ver só uma coisa”.
E a velha foi dormir, virou-se na cama três vezes, fechou os olhos, e na
manhã seguinte lá estava ela numa grande mansão no campo, rodeada por um belo
jardim, com criados atendendo ao chamado de uma campainha. Ela ficou muito
contente e muito surpresa, e aprendeu a falar com delicadeza, mas se esqueceu
completamente de agradecer a fada.
E a fada foi para o norte, foi para o sul, foi para o leste e para o
oeste, por causa de um negócio que estava tratando. Depois de certo tempo ela
pensou consigo mesma: “Vou ver como está aquela senhora, com certeza ela agora está
feliz”.
Mas mal ela se aproximou da janela da sala de visitas da velha, ouviu-a
falar consigo mesma em tom suave:
“É realmente uma grande tristeza que eu viva sozinha neste lugar, onde
não existe vida social. Eu deveria ser uma duquesa, andar na minha própria
carruagem para servir à rainha, com criados de libré ao meu lado”.
A fada ficou muito surpresa e muito consternada, mas disse: “Muito bem.
Vá dormir esta noite, vire-se três vezes na cama, feche os olhos e de manhã
você vai ver só uma coisa”.
Então a velha foi dormir, virou-se na cama três vezes, fechou os olhos.
E na manhã seguinte, lá estava de duquesa, com sua própria carruagem para
servir à rainha, acompanhada de criados de libré.
Ela ficou muito surpresa e muito contente. Mas
se esqueceu completamente de agradecer a fada.
E a fada foi para o norte, foi para o sul, foi para o leste e para o
oeste, por causa de um negócio que estava tratando. Depois de certo tempo, ela
pensou consigo mesma: “Vou ver como esta aquela senhora. Com certeza ela está
feliz, agora que é uma duquesa”.
Mas mal se aproximou da grande torre da mansão da velha, ela ouviu-a
dizendo num tom mais delicado do que nunca: “É realmente uma grande tristeza
que eu seja duquesa e deva reverências à rainha. Por que eu própria não posso
ser uma rainha e me sentar num trono de ouro, com uma coroa de ouro na cabeça e
cortesãos à minha volta?”.
A fada ficou muito desapontada e muito furiosa, mas disse: “Muito bem.
Vá dormir, vire-se na cama três vezes, feche os olhos e de manhã você vai ver
só uma coisa”.
Então a velha foi dormir, virou-se na cama três vezes e fechou os olhos.
Na manhã seguinte lá estava ela num palácio real, uma legítima rainha, sentada num
trono de ouro, com uma coroa de ouro na cabeça e cercada de cortesãos. Ela estava
absolutamente encantada, e dava ordens a torto e a direito. Mas se esqueceu
completamente de agradecer a fada.
E a fada foi para o norte, foi para o sul, foi para o leste e oeste, por
causa de um negócio de que estava tratando. Depois de certo tempo, ela pensou
consigo mesma: “Vou ver como está aquela senhora. Com certeza agora ela deve
estar satisfeita!”.
Mas logo ela se aproximou da sala do trono, ouviu a velha dizendo:
“É uma grande tristeza, uma tristeza muito grande mesmo, que eu seja a
rainha de um ‘paisinho’
insignificante como este, em vez de reinar sobre o mundo inteiro. Eu serviria
mesmo era para ser papa, para imperar sobre as mentes de todos na terra.”.
“Muito bem”, disse a fada. “Vá dormir, vire-se na cama três vezes, feche
os olhos, e de manhã você vai ver só uma coisa”.
Então a velha foi dormir, dominada por fantasias inspiradas pelo
orgulho. Ela virou na cama três vezes e fechou os olhos. E no dia seguinte
tinha voltado à sua garrafa de vinagre.
In: Carter, A. 100 Contos de Fadas
para adultos. São Paulo, Companhia das Letras, 2005.
Glossário:
Amêijoas – do português (de Portugal), molusco bivalve, fruto do mar, conhecido no Brasil como vôngole;
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