A Professora era gorducha; a maleta também. A Professora era jovem; a maleta era velha, meio estragada e de um lado tinha um desenho de um garoto e uma garota de mãos dadas. Vestido igual, cabelo igual, sorriso igual!
A Professora gostava de ver a classe contente. Mal entrava na classe e já ia contando uma
coisa engraçada. Depois abria a maleta e
escolhia o pacote do dia. Tinha pacotes
pequenininhos, médios, grandes tinha pacote embrulhado em papel de seda, metido
em saquinho de plástico, tinha pacote de tudo quanto é cor. Não era à toa que a maleta ficava gorda
daquele jeito!
Só pela cor do pacote as crianças já sabiam o que ia
acontecer: pacote azul era dia de inventar brincadeiras de juntar menina e
menino; não ficava mais valendo aquela história mofada de menino só brincar
disso, menina só brinca daquilo, meninos do lado de cá, meninas do lado
lá. Pacote cor-de-rosa era dia de
aprender a cozinhar. A Professora
remexia no pacote, entrava e saia da classe e,de repente pronto! Mostrava um fogão com botijãozinho de gás e
tudo. Era um tal
de experimentar receita
que só vendo.
Um dia a diretora da escola entrou na sala, justo na hora que o
Alexandre estava ensinando outro garoto a fazer bolinhos de trigo. Uma fumaceira medonha na sala de aula! Todas as crianças em volta do fogão
palpitando: falta sal, bota pimenta, bota um pouquinho de salsa. A diretora sabia que estava na hora da aula
de matemática. Que matemática era aquela que a Professora estava
inventando? Não gostou da invenção, mas
saiu sem dizer nada.
Pacote vermelho era de viajar: saia retrato do mundo
inteiro lá de dentro do pacote.
Espalhavam aquilo tudo pela classe; enfileiravam as carteiras para
fingir de avião e de trem. Quando
chegavam aos retratos, um ia contando para o outro tudo o que sabia sobre
aquele lugar.
Tinha um pacote cor de burro quando foge que a
Professora nunca chegou a abrir! Todo
dia ela botava o pacote em cima da mesa.
Mas na hora de abrir, ficava pensando se abria ou não e acabava
guardando o pacote de novo.
Pacote verde era dia de aprender a pregar botão, botar
fecho, fazer bainha na calça e na saia.
Se o verde era bem forte, era dia de aprender a cortar a unha e
cabelo. Verde bem clarinho era dia de
consertar e limpar os sapatos. E tinha
ainda um verde, que não era forte nem claro: era um amarelo que as crianças
adoravam. Era dia da Professora
abrir o pacote
de história. Cada história ótima!
Tinha um pacote branco, que só servia para a
professora esconder e para a turma brincar de achar. Quem achava ia para o quadro negro dar
aula. No princípio ninguém procurava
direito. Coisa mais chata dar aula! E aula de quê?
_ Conta a tua vida.
Mostra o que você sabe fazer.
Com o tempo, a turma deu para procurar direito o
pacote. Era muito engraçada a tal aula!
No dia em que o Alexandre achou o pacote, resolveu
contar para a turma como é que ele vendia amendoim na praia. No melhor da aula, um grupo de pais de alunos
que visitando a escola entrou na sala.
Quando a aula acabou um deles perguntou a Professora: − A senhora está
querendo ensinar meu filho a ganhar a vida vendendo amendoim? A Professora explicou que Alexandre só estava
contando para os colegas como era o trabalho dele, para todos ficarem sabendo
como é que ele vivia.
No outro dia saiu fofoca: contaram para o Alexandre
que tinha um pessoal que não estava gostando da maleta da Professora.
_ Que pessoal?
Um disse que era a diretora, outro disse que era uma
outra professora, outro
disse que outro
falou, mas ninguém
ficou sabendo direito!
Uns dias depois choveu muito! Chuva grossa.
Encheu a rua, o tráfego da cidade parou, casa desmoronou. Coisa a beça aconteceu. E quase ninguém foi à Escola. Mas Alexandre foi.
Entrou na classe e viu tudo vazio. Chovia demais para voltar para casa. Resolveu sentar e esperar. Lá pelas tantas a Professora chegou. Mas chegou sem a maleta. E com jeito diferente, uma cara meio inchada,
não contou coisa engraçada, não riu nem nada.
Sentou e ficou olhando para o chão.
Alexandre achou que ela nem tinha visto ele.
_ Oi!
Ela também disse oi!
Mas continuou quieta. Depois de
algum tempo, Alexandre cansou de tanto ninguém dizer nada e
falou:
_ A chuva molhou sua cara?
A professora nem se mexeu. Ele perguntou:
_ Foi a chuva?
Ela fez que sim com a cabeça. Alexandre resolveu esperar mais um
pouco. Mas pelo jeito a Professora tinha
esquecido de dar
aula. Será que era porque ela não
tinha trazido a maleta? Arriscou:
_ Cadê a maleta?
A Professora olhou para ele sem saber muito bem o que
dizer. Ele insistiu:
_ Heim? Cadê?
_ Perdi
Ele se apavorou:
_ Com tudo que tinha dentro?
_ É
_ Os pacotes todos?
_ É
_ O azul, o verde, o...
_ É... É... É!
Puxa que susto!
Ela nunca tinha falado alto assim.
Não perguntou mais nada. O
coração ficou batendo, batendo, mas ela continuava sempre quieta até que ele
não se aguentou e perguntou
de novo:
_ E agora? Como
é que vai dar aula sem maleta?
_ Não sei.
_ Dá jeito de você comprar os pacotes de novo?
_ Não.
_ Por quê?
Ela não disse nada.
_ Responde... Por quê?
_ Eles vêm junto com a maleta? Não vendem separados?
_ Mas então compra outra maleta. Pronto.
Ela ficou quieta de novo. E o tempo ia passando e ela continuava sempre
quieta! A cara dela não secava nunca e
não chovia lá dentro. Cada vez molhava
mais! Então ele acabou pedindo:
_ Compra, sim?
_ Não dá Alexandre, eles não estão mais fabricando
essas maletas hoje em dia.
E aí... ele
não perguntou mais
nada. Ela também não falou mais. Até que a campainha tocou e a aula acabou.
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